Brégain, Gildas, Capdevila, Luc, María Pedro, Joana, Universidade Federal de Santa Catarina, Pedro, Joana Maria, Centre de Recherches Historiques de l'Ouest (CERHIO), Le Mans Université (UM)-Université d'Angers (UA)-Université de Bretagne Sud (UBS)-Université de Rennes 2 (UR2), Université de Rennes (UNIV-RENNES)-Université de Rennes (UNIV-RENNES)-Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), Université Rennes 2, Luc Capdevila, and Joana Maria Pedro
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2014. Objetivo da tese: Esta tese visa a reconstituir a gênese e o desenvolvimento das políticas públicas da deficiência (1956-1982), numa perspectiva cruzada entre a Espanha, a Argentina e o Brasil. A aplicação do método da história cruzada incita-nos a encarar a singularidade da trajetória das políticas públicas de cada nação em função da extensão do campo dos possíveis conhecidos pelos especialistas inseridos nas redes transnacionais militantes - e nomeadamente os projetos de inovações sociais de alcance mundial, e as normas promovidas pelas organizações intergovernamentais (ONU, OIT, OMS, UNESCO). Depois da Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas e as agências especializadas (OMS, OIT, UNESCO) promoveram um novo projeto de inovações sociais no setor da readaptação, construído a partir das experiências de readaptação desenvolvidas pelos países anglo-saxões e nórdicos. Este projeto é caracterizado, sobretudo, por uma legalidade liberal no setor do emprego: a crença numa produtividade potencialmente igual dos inválidos; a recusa das medidas de quota aplicadas às empresas privadas; uma colocação seletiva no meio competitivo para os trabalhadores deficientes produtivos; a constituição de oficinas protegidas de trabalho para as pessoas julgadas pouco produtivas ou desempregadas. Este projeto é caracterizado também pelo princípio de coordenação de todas as políticas públicas destinadas às diferentes categorias de pessoas com deficiência, por uma tendência a equiparação dos direitos entre todas as categorias de inválidos, a equiparação das condições de vida das pessoas inválidas com as condições de vida das pessoas válidas, pela promoção da mobilidade e dos desportes de competição. O desenvolvimento desta política internacional de readaptação acompanha-se da legitimação de novas profissões médicas ou paramédicas (medicina física e de readaptação, ergoterapia, fisioterapia), novos materiais técnicos, e de novas configurações institucionais. Os peritos anglo-saxões e nórdicos qualificaram este projeto de inovação social como "moderno a fim de desacreditar os métodos europeus da reeducação desenvolvidos após a primeira guerra mundial, que valorizavam a ideia da quota de contratação obrigatória de inválidos nas empresas privadas. Consideramos que é legítimo designar este conjunto de normas legais, configurações institucionais, especialidades profissionais e vocabulário específico baseados nas experiências diversas dos países do espaço norte-atlântico que se institucionalizam nessa época pela expressão modernidade norte-atlântica da readaptação, dado que os atores utilizam à polarização arcaísmo/modernidade nos seus discursos. O objetivo da nossa tese é, portanto, compreender os mecanismos e os limites da internacionalização desta modernidade norte-atlântica na Argentina, no Brasil e na Espanha. Metodologia: Para realizar esta tese, utilizamos os arquivos de várias organizações intergovernamentais (O.N.U, OMS, OIT, UNESCO), os arquivos de numerosas associações de pessoas deficientes e as suas famílias, os arquivos da repressão (DEOPS), os arquivos parlamentares, as revistas associativas, a imprensa, como também as entrevistas com os protagonistas da época. Resultado: Os organismos intergovernamentais (ONU, OIT, OMS) enviaram peritos internacionais especializados sobre a deficiência nestes três países durante os anos 1956-1959. Estes peritos tentaram promover políticas públicas conformes aos princípios da modernidade norte-atlântica. Pela sua ação, as organizações internacionais favoreceram a convergência progressiva das políticas públicas da deficiência dos três países em torno de referentes comuns (conceitos de normalização, de integração, de acessibilidade, etc.). Impuseram a sua marca sobre a orientação das leis no domínio do emprego das pessoas deficientes, sobre o conteúdo da formação das especialidades médicas relativas a readaptação, sobre as fronteiras profissionais destas especialidades, sobre as categorias de beneficiários e o seu título. Ajudaram os governos a desenvolver políticas nacionais de readaptação conformes ao modelo norte-atlântico, favorecendo a formação dos pessoais especializados, propondo legislações que proibiram as discriminações de acesso ao emprego, ajudando à instalação de centros modernos de readaptação e de oficinas protegidas de emprego. Mas a sua intervenção não se concluiu por um sucesso completo, porque os governos levaram muito tempo para adotar as políticas necessárias, e não investiram recursos suficientes nas infraestruturas, na formação profissional e o desenvolvimento tecnológico. Consequentemente, e ainda que as administrações dos três países buscassem, de maneira crescente, ampliar a assistência às pessoas deficientes, os serviços que conseguiram disponibilizar, cobriram uma parte minoritária das necessidades, até ao início dos anos 1980. Outros fatores concorreram para fazer encalhar parcialmente a intervenção dos organismos intergovernamentais, como a inércia das administrações, das associações e das infraestruturas de cuidados. Finalmente, os três países adotaram tardiamente dois critérios fundamentais da modernidade norte-atlântica: uma lei de proteção integral das pessoas deficientes, e a criação de um organismo interministerial de coordenação das políticas da deficiência. Abstract : This tesis aims at reconstituting the genesis and the development of the public policies of disability (1956-1982), with an entangled perspective between Spain, Argentina and Brazil. The method of entangled history encourages us to consider the singularity of the national development of public policies according to the scope of the feasibilities imagined at an international scale and to the standards promoted by the intergovernmental organisations. At the end of the Second World War, the intergovernmental organisations (UN, WHO, ILO) develop a new social innovations project in the field of rehabilitation, which is inspired by the anglo-saxon and scandinavian experience. This project is qualified as « modern » in order to discredit the european methods of reeducation developed after the First World War. We name it north-atlantic modernity of rehabilitation. It is mostly defined by a liberal legality in the field of work (refusal of quotas measures applied to private companies, selective placement, creation of sheltered workshops for people which are considered less productive), but also by coordination's principle of the sectorial policies, and by a tendency to equalization of the rights of all categories of disabled. The objective of our thesis is to understand the mechanisms and limits of the internationalization of this north-atlantic modernity in these three countries. At a national scale, the multiple actors who build the public policies of disability appropriate themselves the north-atlantic modernity principles to defend or contest them.