Esta tese examina um conjunto de práticas musicais de vários géneros da música experimental contemporânea. A partir da constatação de convergências e semelhanças entre peças de compositores contemporâneos e artistas de música eletrónica independentes, e partindo do pressuposto de que estas semelhanças se devem à presença de uma compreensão do som como uma entidade material complexa, esta investigação desenvolve uma abordagem multifacetada na análise e sistematização destas correspondências. O som como conceito central na música do século vinte é o ponto de partida para esta pesquisa e a presença desta focalização, durante o último século em diferentes géneros e contextos musicais, reflete-se na natureza transcultural deste estudo. O estudo baseia-se na conceção do som como uma entidade complexa, tal como foi proposto por Giacinto Scelsi e os espetralistas, para definir uma série de características essenciais que podem ser encontradas em obras de compositores oriundos de diferentes contextos, tais como a exploração do espetro sonoro, uma ideia alargada da harmonia e temporalidade musical e um uso específico da repetição. Estes autores abordam o som como se este fosse um material físico, evitando certas estruturas baseadas em notas no sentido tradicional e em construções abstratas, para se concentrarem na exploração do timbre, criando um material sonoro rico. As obras que constroem o corpus principal deste estudo – de Georg Friedrich Haas, Bernhard Lang, Giovanni Verrando, Riccardo Nova, Pan Sonic, Ryoji Ikeda e Raime – provêm de diferentes géneros, como o pósespetralismo, minimalismo, eletroacústica, eletrónica-glitch e dubstep. A partir destes casos de estudo, a investigação orienta-se tanto para o objeto (artístico) como para o sujeito (criador e recetor) incluindo uma análise das obras selecionadas (baseada numa análise auditiva, espetral e da partitura) das obras selecionadas e duas pesquisas empíricas: uma construída a partir de inquéritos de escuta a ouvintes e outra a partir de entrevistas aos compositores e intérpretes. Os resultados obtidos incluem dados analíticos – correspondentes à descrição de nove atributos musicais comuns – resultados dos inquéritos de escuta com a identificação de três modos de escuta e uma definição das intenções poiéticas dos compositores que, apesar de serem distintas, apresentam várias convergências. Estes resultados pretendem fundamentar uma perspetiva de cruzamento entre géneros musicais diferentes, à qual chamamos multi-género. Esta perspetiva sobre o som será definida como “extático-materialista”. Esta visão baseia-se numa conceção partilhada de som, envolve uma compreensão específica do tempo e do espaço na criação e perceção musical, e – longe de ser um conceito auto-reflexivo – inclui componentes da experiência cultural e da prática de compositores, artistas e ouvintes. O som, na perspetiva extático-materialista, é o território comum entre criador e o recetor; onde ambos os participantes captam elementos materiais do som e a partir daí constroem os caminhos subjetivos na sua escuta (emotivos, analíticos, culturais). Este modelo extático-materialista é examinado no âmbito da música contemporânea experimental, incluindo os aspetos mais problemáticos, como a sua natureza elitista e autorreferencial, para propor possíveis aplicações práticas. Os compositores e os ouvintes que representam a perspetiva extático-materialista participam na comunicação musical de forma contextual e inter-relacionada, motivados por uma espécie de ética que os desafia a fazer escolhas, agindo, afetando e sendo afetados pelo som. Por fim, esta investigação ilustra a forma como a visão multi-género pode ser aplicada a diferentes formas do conhecimento musical (didático, artístico e curatorial) através do uso de uma abordagem multimodal (sensorial-perceptiva, teórica, abstrata e histórica), com o objetivo de aproximar as práticas musicais experimentais de um público mais vasto. This doctoral research examines a cross-genre set of practices within today’s experimental music scene. Starting from the observation that there are convergences and similarities between pieces by contemporary composers and those by independent electronic performers, and proposing that these commonalities are due to the presence of a shared understanding of sound as being a complex and material entity, this study develops a multifaceted approach to explore and give shape to these correspondences. The centrality of sound in the music of the 20th century is the starting point for this research, and the presence of this radical reappraisal during last century in several different genres and contexts is reflected in the cross-cultural aspects of this study. The research elaborates on the conception of sound as a complex entity –postulated by Giacinto Scelsi and the spectralists– in order to define a series of key characteristics (including exploration of the sonic spectrum, an extended conception of harmony and temporality, and a particular use of repetition) which can be found in the pieces of composers working in very different contexts. These figures approach sound as a physical material, avoiding certain tone-based structures and abstract construction techniques in favour of focusing on creating a sonic material rich in timbral exploration. Selected pieces (i.e. compositions by Georg Friedrich Haas, Bernhard Lang, Giovanni Verrando, Riccardo Nova, Pan Sonic, Ryoji Ikeda, and Raime) coming from different genres (i . e . post-spectralism, minimalism, electroacoustic, glitch electronica, and dubstep) serve as the main body of research for both an object- and a subject-oriented investigation. In order to give shape to this shared perspective on sound, this study includes an analysis of these pieces (i . e . based on aural, spectral, and score examinations) and two empirical surveys, one targeting listeners (i.e. the listening questionnaires) and the other composers and interpreters (i.e. the interviews and other correspondence). The collected results subsequently encompass: analytic data and the description of nine shared musical attributes; perceptual examinations and the identification of three listening modes used in finding key elements within the selected pieces; and a clear definition of similar yet distinct poietic intentions among the different composers. These results serve to justify the proposed cross-genre perspective on sound that I define as the ecstatic-materialist perspective. This shared vision is grounded in a similar conception of sound, it involves a specific understanding of time and space in musical creation and perception, and –far from being a self-reflexive concept– it implicates components from the cultural and practical experience of composers, performers, and listeners equally. Sound in the ecstatic-materialist perspective is the common territory between creator and recipient; both participants locate material elements of sound and follow subjective paths in listening (e.g. affective, source-based, socio-cultural). The proposed ecstatic-materialist model is examined in relation to the current world of experimental contemporary music, including the more problematic aspects such as its elitist and auto-referential nature, in order to explore the practical applications of the outlook. Composers and listeners exemplifying the ecstaticmaterialist perspective are involved in musical communication in a contextual, interrelated fashion, motivated by a kind of ethic that empowers them to make choices, take action, affect and be affected by sound in the wider context in which it is experienced. Finally, this study illustrates how the cross-genre ecstatic-materialist view can be applied to the different ways in which musical knowledge is communicated (didactic, artistic, and curatorial) by using a multimodal approach (sensorial-perceptive, theoretical, abstract, and historical) in order to reduce the gap between experimental music practices and a wider audience.