INTRODUÇÃO O brincar é uma necessidade tanto da criança saudável quanto em processo de adoecimento, sendo importante para seu desenvolvimento. Através do brincar ela cria, se socializa e aprende. Para a criança em processo de adoecimento, como o câncer, o brincar é também importante para o enfrentamento de situações de difícil controle, tais como: necessidade de internação hospitalar, o afastamento da família, escola e amigos, procedimentos invasivos e dolorosos (SILVA; CABRAL; CHRISTOFFEL, 2008; MOTTA; ENUMO, 2002). Para Vigotski (2007), a brincadeira tem um papel importante no desenvolvimento infantil, pois atua como um mediador para a transformação das funções psicológicas elementares em funções psicológicas superiores. Essa transformação ocorre devido à interação social da criança com o meio que vive e através do uso de símbolos e instrumentos determinados culturalmente, sendo assim um processo natural e necessário para o desenvolvimento da criança. Neste contexto, o profissional que trabalha com criança deve procurar conhecer e compreender seu mundo, suas necessidades e fases de desenvolvimento, é importante o desenvolvimento de investigações sobre o brincar na vida da criança em tratamento de câncer, durante a sua permanência no espaço social da comunidade. Atualmente, muita ênfase tem sido dada à desospitalização da criança durante o tratamento do câncer, viabilizada pelo acompanhamento ambulatorial, hospital dia e assistência domiciliar (COSTA; LIMA, 2002), reforçando a necessidade de explorar o contexto da comunidade em que a criança vive. OBJETIVOS Identificar as possibilidades e impossibilidades de interação social para o brincar da criança em tratamento oncológico no espaço da comunidade; Discutir as implicações das interações sociais no brincar da criança em tratamento oncológico. METODOLOGIA A pesquisa qualitativa foi desenvolvida de acordo com o método criativo e sensível (MCS) de produção de dados. O MCS tem sua tríade fundada na discussão de grupo, observação participante e nas dinâmicas de criatividade e sensibilidade (DCS) com suas produções artísticas. Para Cabral (1999) as DCS criam condições para que os participantes expressem o que pensam, tomando como ponto de referência a produção artística. A dinâmica de criatividade e sensibilidade utilizada foi “O brincar em cena” onde utilizamos massa para modelar, desenhos e brinquedos em miniatura (SILVA; CABRAL; CHRISTOFFEL, 2008). Para a análise dos dados utilizamos o método da Análise de Discurso Francesa (AD), tomando-se por base os textos transcritos gerados nas dinâmicas de criatividade e sensibilidade. A opção por este método se deu pelo fato de a produção de sentido do discurso das crianças localizarem o brincar na esfera da experiência pessoal e dos eventos cotidianos (ORLANDI, 2005). Os sujeitos foram 12 crianças com câncer (sete meninas e cinco meninos), com idade escolar, em tratamento ambulatorial em um hospital público de referência para o tratamento de câncer, localizado na cidade do Rio de Janeiro. O cenário para realização das dinâmicas foi o ambulatório de oncologia pediátrica onde as crianças faziam tratamento. Foram respeitados todos os aspectos éticos estabelecidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. RESULTADOS O processo de análise aplicado nos levou a dois temas onde destacamos as possibilidades e impossibilidades de interação social das crianças com câncer em tratamento ambulatorial no espaço da comunidade. Possibilidade do brincar: interação social – pessoas e ambiente Entre as sete meninas do estudo, quatro interagem nas brincadeiras apenas com familiares, uma só com amigos/colegas e duas com familiares e colegas/amigos. Quanto aos cenários, quatro brincam, apenas, em ambientes domiciliares e três em ambientes domiciliares e espaços da comunidade. A escolar A3: – Brinco na minha casa, na casa da minha prima e do meu primo (...). A escolar A: – Assim (...) vou para casa da minha avó/ assim eu brinco lá, mas eu brinco mais é em casa com a minha irmã. Entre os cinco meninos, dois interagem na brincadeira apenas com familiares, um apenas com amigos/colegas, e dois com familiares e amigos/colegas. Quanto aos cenários, dois meninos disseram brincar em espaços da comunidade, um no ambiente domiciliar e dois brincam em ambiente domiciliares e em espaços da comunidade. O escolar R: – Meus amigos // a gente sai, vai para uma rampa de skate e fica brincando (...) a gente brinca de futebol. O escolar N: – Brinco (...) no parque, no shopping. Três meninos e duas meninas referiram a escola como cenário de brincadeira. Vale ressaltar que das 12 crianças em idade escolar, somente 7 estão regularmente matriculados na escola. O escolar R: – Tem uns colegas que moram perto da minha casa e na escola que a gente brinca de futebol. A escolar A4: – Na escola, às vezes a gente (ela com as colegas da escola) combina de levar as bonecas e aí a gente brinca. As crianças demonstraram maior interesse pelas brincadeiras em grupo quando comparadas às brincadeiras solitárias. Para Hockenberry, Wilson e Wilkestein (2006), a fase escolar é o período que a criança se afilia a colegas da mesma faixa etária. Portanto, o sentido de pertencer a um grupo é de extrema importância para a criança nesta faixa etária, suas brincadeiras envolvem habilidades físicas, intelectuais e fantasias. Quanto aos cenários de interação, destacam-se aqueles onde as brincadeiras acontecem: dentro de casa, nos espaços públicos da comunidade e na escola. Esses cenários são mais limitados para as meninas quando comparadas aos meninos, pois, como afirmam Hansen et al. (2007, p.139), “o espaço familiar da casa é associado às meninas, enquanto que o universo externo aos meninos”. A escola é apontada como cenário para interação social e brincadeira no discurso da maioria das crianças que a frequenta. Para Wayhs e Souza (2002) a escola e a recreação são para o universo infantil duas imagens que se misturam e que representam o seu lado saudável. Impossibilidades do brincar: interação social – pessoas e ambiente A escolar A2 referiu que antes do tratamento, sua mãe deixava brincar na casa da amiga. Porém, com o início do tratamento a mãe não permitiu mais. Nesse sentido, a impossibilidade de brincar fora do cenário de sua casa e interagir com a amiga devido à proteção materna. A escolar A2: – Antes (de ficar doente) minha mãe deixava eu brincar na casa da Cacá (nome fictício), agora não deixa mais. No discurso do escolar M, o ciclo de quimioterapia e a proteção materna são signos mediadores da impossibilidade de sair de casa. O escolar M: – Por exemplo, se amanhã (sábado) começar a quimioterapia, eu não posso sair para a rua por causa da defesa baixa (neutropenia), então eu fico em casa, aí minha mãe me deixa pegar meus livros, até quarta-feira (ele faz protocolo de 5 dias de quimioterapia). Aí de hoje até quarta-feira ela deixa pegar meus livros porque eu não posso sair de casa... Eu não posso sair de casa porque ela (mãe) tem medo de eu pegar sereno, porque eu fico com a imunidade baixa. A proteção materna foi um mediador da impossibilidade da criança ir brincar em outros cenários e com outras crianças. Durante o curso da doença e seu tratamento os familiares passam a selecionar as atividades recreativas que não trazem risco à integridade física da criança, mas que frequentemente, pode propiciar a super proteção e o isolamento social (VIEIRA; LIMA, 2002). As crianças com câncer, algumas vezes são levadas a romper relações, afastar-se dos amigos que estão saudáveis, pelo fato de as brincadeiras não se adequarem ao seu novo estilo de vida. Esta condição pode favorecer o isolamento da criança e a dificuldade de interação com seus pares que não estão acometidas por um processo patológico, ou até mesmo com quem elas mantinham contato antes do aparecimento do câncer. Na impossibilidade de sair para brincar no espaço da rua, devido à indicação materna de repouso durante o ciclo quimioterápico, surge a possibilidade da leitura de livros de estórias ressignificado como signo de ocupação de tempo. CONCLUSÃO O brincar se expressa de diferentes modos na vida da criança em tratamento oncológico quando ela se encontra na comunidade. Embora as restrições físicas advindas do câncer pareçam presentes no cotidiano de vida, elas atribuíram pouco significado aos possíveis limites nas brincadeiras, procuram manter suas vidas o mais próximo do normal e estão abertas aos relacionamentos com as outras crianças, assim como desfrutam de todos os cenários que estão ao alcance para torná-los lugares de brincadeiras. Os achados desse estudo reforçam a necessidade de as visualizarmos como crianças iguais às outras, com as mesmas necessidades de desenvolvimento, devemos assim oportunizar momentos de descontração onde elas possam expressar suas vontades e fantasias. Esperamos que esse estudo contribuir para uma assistência mais humanizada para a criança com câncer, onde não apenas os aspectos biológicos são contemplados, mas também o direito da criança de continuar brincando e se desenvolvendo durante o tratamento do câncer. REFERÊNCIAS CABRAL, I. E. Aliança de saberes no cuidado e estimulação da criança-bebê: concepções de estudantes e mães no espaço acadêmico de enfermagem. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, 1999. 298 p. COSTA, J. C.; LIMA, R. A. G. Crianças/ Adolescentes em quimioterapia ambulatorial: implicações para a enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.10, n. 3, p. 321-33, maio/jun. 2002. HANSEN, J. et al. O brincar e suas implicações para o desenvolvimento infantil a partir da Psicologia Evolucionista. Rev Bras Crescimento Desenvolv Humano, v.17, n.2, p.133-143, 2007. HOCKENBERRY, M. J.; WILSON, D.; WINKELSTEIN, M. L. Wong fundamentos da enfermagem pediátrica. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 1344 p. MOTTA, A. B.; ENUMO, S. R. F. Brincar no Hospital: Câncer Infantil e Avaliação do Enfrentamento da Hospitalização. Psic. Saúde e Doença, v. 3, n. 1, p. 23-41, 2002. ORLANDI, E.P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 6. ed. Campinas - São Paulo: Pontes, 2005. 100 p. SILVA, L.F.; CABRAL, I.E.; CHRISTOFFEL, M.M. O Brincar na Vida do Escolar com Câncer em Tratamento Ambulatorial: Possibilidades para o Desenvolvimento. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. São Paulo, v. 18, n. 3, p. 275-287, 2008. Vieira, M. A.; Lima, R.A.G. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 10, n. 4, p. 552-60, jul-ago. 2002. VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 182p. WAYHS, R. I.; SOUZA. A. I. J. Estar no hospital: a expressão de crianças com diagnóstico de câncer Rev Cogitare Enfermagem, v. 7, n. 2, 2002.