É uma imensa satisfação apresentar o dossiê temático publicado neste volume 6, número 3 (2024), versando sobre “Acesso à justiça, direitos e Defensoria Pública a partir da jurisprudência do STF”. O tema do acesso à justiça instiga debates relevantes acerca dos tipos de acesso e dos tipos de sistemas de justiça, em suas dimensões jurídicas, políticas, sociais, econômicas, filosóficas e institucionais. Sobreleva de importância a garantia do acesso à justiça às pessoas e grupos vulnerabilizados, que, no modelo institucional em construção desde o marco da redemocratização do país em 1988, está amparada na Defensoria Pública, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma dos artigos 5º, LXXIV e 134 da Constituição Federal. Os artigos selecionados para compor o dossiê tiveram como recorte os reflexos da atuação da Defensoria Pública, no que vem sendo conhecido por alguns como “Estado Defensorial”, em decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente como instrumento de efetivação de direitos fundamentais. Assim, o artigo que abre o volume, intitulado “A atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis em ações no Supremo Tribunal Federal: um mecanismo de cooperação e diálogo no processo de democratização da jurisdição”, de autoria de Anthair Edgar de Azevedo Valente e Gonçalves e Rodrigo Abreu Martins Lima, analisa a intervenção da Defensoria Pública como custos vulnerabilis nas causas em tramitação no Supremo Tribunal Federal, buscando compreender o uso instrumental do custos vulnerabilis como medida de fortalecimento não apenas da atuação da Defensoria Pública, como também da legitimidade do processo decisório da Suprema Corte. O artigo de Eduardo Sampaio Marcuz e Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro, intitulado “A importância do papel do STF na tutela dos direitos das pessoas em situação de rua”, analisa os planos nacional e judicial da pessoa em situação de rua, com destaque para a Resolução n. 425, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e das práticas institucionais inclusivas no plano dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e também do Ministério Público e da Defensoria Pública. No artigo “A legitimidade da Defensoria Pública na tutela dos direitos coletivos: o standart decisório do Supremo Tribunal Federal - uma análise a partir do julgamento do tema 607 da RG e da ADI 3.943”, Bruno Giordano Paiva Lima e Cristiane Lopes Gonçalves, por meio de análise quantitativa e qualitativa de julgados da Suprema Corte, buscam compreender as balizas do entendimento do STF sobre os casos em que foi reconhecida ou não a legitimidade da Defensoria Pública para atuar na tutela dos direitos coletivos. O papel da Defensoria Pública no combate às práticas que desqualificam a vítima em processos criminais envolvendo violência contra a mulher é o tema e o título do artigo de autoria de Ana Claudia da Silva Abreu. A partir de revisão bibliográfica e análise documental, sob a perspectiva do feminismo decolonial, a autora propõe uma reflexão sobre mecanismos de prevenção e combate à violência real e institucional contra a mulher, destacando o papel da Defensoria Pública na garantia de julgamentos e práticas que não reproduzam estereótipos de gênero. O artigo de autoria de Clarisse Bittencourt Bezerra Cavalcanti trata do direito esquecimento, a partir do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do tema 786 de repercussão geral. O STF considerou incompatível com a Constituição Federal o direito ao esquecimento. A partir de uma metodologia de pesquisa quantitativa e qualitativa, a autora demonstra que a Corte deixa de aplicar a própria tese em diversos casos concretos, que envolvem colisão entre direitos fundamentais de liberdade de expressão e de proteção dos direitos à intimidade e privacidade. No artigo “O acesso à justiça e o racismo: uma análise do julgamento do habeas corpus 208.240/SP no Supremo Tribunal Federal”, a partir de uma perspectiva crítica de acesso à justiça e racismo, as autoras Flaviane Montalvão Siqueira e Lívia Kim Philipovsky Shroeder Reis analisam aspectos gerais e específicos do julgamento do HC 208.240/SP pelo Supremo Tribunal Federal, correlacionando-os com os conceitos de racismo reverso; racismo por denegação; mito da democracia racial; pacto narcísico; colonialidade da justiça e blindagem judicial. Roberta Borges de Barros e Giovanna Trigueiro Mendes de Andrade, por meio de pesquisa quantitativa e qualitativa, analisam julgados do Supremo Tribunal Federal que indeferiram pedidos de prisão domiciliar substitutiva às mulheres gestantes, parturientes e mães de crianças, estabelecida como standart decisório pela suprema corte no julgamento do habeas corpus coletivo n. 143.641. Em artigo intitulado “Quem são as mulheres gestantes, parturientes e mães excluídas da prisão domiciliar segundo os julgamentos colegiados do Supremo Tribunal Federal?”, elas traçam um perfil de julgamento por turma e por ministros do STF, pelo tipo de crime e pela fase processual. Além dos artigos que compõe o dossiê, foram recepcionados artigos de livre submissão, os quais também integram o presente volume, com interessantes discussões sobre a função de “Defensor da Criança” pela Defensoria Pública; o conceito de “paternagem” como estratégia de desenvolvimento de novas masculinidades e prevenção às violências; as fases da vitimologia na cultura do estupro; o processo constitucional de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade; a questão da prisão domiciliar para mães e gestantes no Brasil; o uso de inteligência artificial na construção argumentativa nos processos judiciais, sob o epíteto de “retórica artificial”; o papel da Defensoria Pública na garantia do acesso à Justiça a policiais vulneráveis; além de um estudo comparativo entre a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Distrito Federal para assegurar equidade de gênero institucional. O volume todo está interessantíssimo e um simples passeio pelo sumário é um convite à leitura! Esperamos que vocês apreciem e estamos à disposição para debates e comentários críticos sobre as matérias versadas nos artigos, sob a perspectiva de que a divulgação destas reflexões constitui condição necessária para o aprendizado e aperfeiçoamento do conhecimento e das práticas para a realização da promessa constitucional de um sistema amplo de acesso a uma ordem jurídica mais justa. Fernando Henrique Lopes Honorato Defensor Público do Distrito Federal PhD em Direito, Estado e Constituição (UnB) Maria Pia dos Santos Lima Guerra Dalledone Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasilia (FD-UnB) PhD em Direito, Estado e Constituição (UnB)