As primeiras obras de reflexão gramatical sobre o português falado no Brasil estão permeadas por dois discursos fundamentais que se entrecruzam e se retroalimentam: de um lado, o discurso da identidade nacional brasileira, marcado pelo peso das relações simbólicas entre o Brasil “culto” e o Brasil “popular”; de outro, o discurso naturalista, marcado pelo peso da visão do percurso orgânico de nascimento, apogeu e decadência das línguas. Neste artigo, iremos explorar essas duas vertentes no texto de duas obras importantes da reflexão linguística do início do século XX (Melo, 1946; Silva Neto, 1950), concentrando-nos em suas exposições sobre o problema da “erosão do paradigma flexional”. Propomos que, na elaboração de descrições e teorias sobre este aspecto das falas brasileiras, tais obras expressam os dois discursos acima mencionados. Essa expressão se concretiza na composição do discurso sobre o paradigma flexional, pontuado por termos como “redução”, “falta”, “empobrecimento”. Iremos propor que esse discurso remete à incorporação do paradigma schleicheriano segundo o qual a “perda” da morfologia flexional é um dos fatos principais a revelar o destino de decadência e empobrecimento das línguas no tempo. Por fim, examinaremos as relações entre essa visão sobre o destino das línguas e o caso específico brasileiro, remetendo a interpretação da “perda” da morfologia de flexão à interpretação de um estágio de decadência da sociedade, relação que se explicita, sobretudo, pela remissão dos autores ao contato do português com populações de origem “primitiva”.PALAVRAS-CHAVE : Morfologia. Flexão Verbal. Mudança Linguística. Português do Brasil.ABSTRACT The early debate on the grammar of Portuguese spoken in Brazil is marked by two interweaving lines of discourse: the discourse on Brazilian national identity (in which the "popular" and the "cultivated" present great symbolic weight) and the naturalist discourse on the organic path of language birth, growth and decadence. In th, The early debate on the grammar of Portuguese spoken in Brazil is marked by two interweaving lines of discourse: the discourse on Brazilian national identity (in which the "popular" and the "cultivated" present great symbolic weight) and the naturalist discourse on the organic path of language birth, growth and decadence. In this paper we shall examine those two lines of discourse in two important examples of mid-XX century work on Brazilian Portuguese (Melo, 1946; Silva Neto, 1950), in particular where the "erosion of morphological paradigms" is concerned. We propose that the descriptions and theories brought by these authors express the abovementioned discourses, as can be examined in the composition of the expositions based on terms such as "reduction", "absence", "loss". This discourse is related to the incorporation of the schleicherian paradigm according to which the "loss" of flexional morphology is one of the most important signs of the decadence of a language in historical times. Finally, we shall examine the relations between this vision of language decadence and the particular case of Brazilian Portuguese, claiming that the interpretation of the "loss" of morphology is connected to an interpretation of a critical stage of decadence in the Brazilian society, which is explicitated when the authors discuss the contact of Portuguese with "primitive" peoples. KEYWORDS: Morphology. Verbal Inflection. Linguistic Change. Brazilian Portuguese.