Estão publicados neste livro a versão em inglês do texto (apresentado em ficheiro anexo) e uma tradução para português (pp. 143-145) que se apresenta aqui como abstract., Das janelas da minha casa vê-se a Piscina das Marés. Esta imagem de um objeto arquitetónico dissimulado na paisagem (mas que, ao mesmo tempo, a marca e organiza) acompanha-me diariamente há mais de vinte anos, apelando a uma contínua reflexão sobre a relação entre a arquitetura e o seu contexto. Nesta vista, à distância, tornam-se evidentes as principais intenções do projeto: integrar o tanque principal nas rochas preexistentes e fazer desaparecer o volume dos balneários, encostando-o ao muro que separa a praia da via marginal. Esta intenção confirma-se numa aproximação ao edifício: construído ao nível da praia, cerca de dois metros abaixo da rua, com pé direito baixo e inclinações muito suaves na cobertura, torna-se quase impercetível. Esta ideia estava já presente na primeira proposta, apresentada em 1962. Num texto posterior, Álvaro Siza assume muito claramente que esta era a sua intenção principal: diminuir, tanto quanto possível, o impacto da construção nas “três linhas paralelas” que dominam o sítio: “o encontro do mar e do céu, o encontro da praia e do mar, o longo muro de suporte da marginal”; assim, o edifício fica “ancorado, como um barco, no muro” (Siza, 1980, p. 23). Nesta obra o autor já assumia, de forma muito enfática, a sua famosa frase “a ideia está no sítio”, escrita mais tarde, a propósito do seu trabalho na Malagueira, em Évora (Siza, 1979, p.36): mais do que uma boa relação com o contexto, esta obra apresenta uma fusão entre o edifício e a sua envolvente, pois a intervenção de Álvaro Siza reinterpreta o muro de suporte da marginal, dramatizando a relação entre o nível da rua e a praia, que estavam claramente separados e agora estão ligados. O edifício não está apenas ancorado no muro de suporte, ele é uma metáfora desse muro. Esta alegoria pode ser sentida desde o percurso de entrada: a rampa, com o seu traçado variável (alarga no sentido da descida) define um triângulo incompleto; se o concluíssemos, prolongando o alinhamento do muro de sustentação a nascente (o único elemento do projeto de 1962 que não segue o sistema ortogonal definido pelo paredão da marginal), ele teria o seu vértice no ponto em que começa o edifício. Assim, a intervenção de Siza desdobra o muro: quando descemos a rampa, sentimos que ele se abriu para nos deixar passar. Esta metáfora torna-se ainda mais clara quando, depois de descer, entramos nos balneários: sentimos que estamos a entrar no paredão pré-existente, um espaço escuro e denso, dominado pelo volume negro das cabines individuais e pelo ritmo constante dos pilares e vigas de madeira, construídas em Riga escurecida com óleo queimado. A obscuridade cria um elogio das sombras, uma atmosfera incomum na arquitetura ocidental, evocativa das palavras de Jun'ichirō Tanizaki (1933, p. 65): “nós, Orientais (…) não sentimos repulsa alguma pelo que é obscuro, resignamo-nos a ele como a algo de inevitável (…) afundamo-nos com delícia nas trevas e descobrimos-lhe uma beleza própria. Pelo contrário, os Ocidentais, sempre à espreita do progresso, agitam-se incessantemente (…) em busca de uma claridade mais viva (…) para cercar o menor recanto, o último refúgio da sombra.” Em contraste com a luz forte do exterior, a súbita escuridão limita a nossa perceção visual. Caminhamos devagar, forçados a substituir momentaneamente a nossa visão pelo tato, como sentido dominante: para entrar na pequena cabine individual do balneário, são as nossas mãos que nos dizem onde está a porta e para que lado se abre. Trocamos de roupa lentamente, enquanto as nossas pupilas dilatam e nos habituamos ao escuro. A saída da cabine é feita por uma segunda porta, oposta à da entrada, que dá acesso ao outro lado do balneário, que ainda é um espaço escuro; mas, como os nossos olhos já estão habituados à penumbra, os raios de luz que entram pelas estreitas frestas deixadas entre a parede de betão a oeste e o teto são suficientes para iluminar o espaço. Guiados pela luz, dirigimo-nos para a saída deste espaço escuro; mas, nesse momento de libertação, voltamos a ficar momentaneamente cegos, ofuscados pela força da luz, refletida nas paredes de betão e nas lajetas do chão. À medida que nossos olhos se vão adaptando novamente à claridade, descobrimos que ainda não saímos do interior do paredão da marginal: há outra parede a oeste, um último desdobramento do muro preexistente, que nos separa da área da piscina. Agora é a audição que substitui a nossa visão: não podemos ver, mas podemos ouvir os sons do oceano e as vozes das pessoas, rindo e conversando do outro lado. Então, olhando para sul, vemos uma porta; mais precisamente, vemos a evocação de uma porta, uma extensão do telhado que pousa na parede oeste, criando um portal. Caminhamos em direção a esta passagem, sob a luz forte do sol; logo após termos passado esse ponto, a parede poente é interrompida, permitindo o acesso e, pela primeira vez, a vista para o tanque principal da piscina, que surge numa articulação harmoniosa com as rochas pré-existentes, o pavimento em betão, a areia e o mar. A partir deste momento, a experiência sensorial anterior é rapidamente esquecida, substituída por outras sensações, provocadas pela beleza da paisagem e pelo contraste entre o frio da água salgada e o calor do sol. Mas quando, deitados na areia, olhamos para nascente, já não conseguimos ver o edifício dos balneários; mesmo visto a alguma distância, a partir das praias adjacentes, o edifício desaparece, integrado no muro da marginal, uma longa linha reta, com cerca de dois quilômetros de extensão, que começa muito antes e termina muito depois do local onde está localizada a Piscina das Marés. Nessa altura compreendemos a perfeita relação entre tudo o que nos rodeia: as paredes da piscina, tal como as suas zonas pavimentadas, estrategicamente localizadas entre as rochas e a areia, foram construídas em betão aparente; este betão foi construído “com muito pouco cimento e armadura, mas com uma grande presa, consolidada ao longo do tempo” (Ferreira & Fernandes, 2021, p. 437), utilizando areia do local, formada pela decomposição parcial das rochas que ainda hoje o estruturam o sítio. Rochas, areia e betão são variações de um mesmo material, decomposto pela natureza e recomposto pelo homem; é por isso que todo o conjunto é tão harmonioso… Mas o contexto da Piscina das Marés é também o oceano, um pano de fundo em constante movimento. Visto da minha janela, na paisagem, o tanque da piscina parece insignificante, comparado com a vastidão do mar; mas esta pequena quantidade de água, aprisionada por três paredes de betão desenhadas em articulação com as rochas pré-existentes, é suficiente para cumprir a sua função balnear. É no inverno que esta vista é mais impressionante: quando o mar está agitado e as grandes ondas batem nas rochas, inundando a piscina, ela assume tranquilamente a sua inadequação sazonal, esperando serenamente pelo verão. Ao longo dos últimos vinte anos, esta imagem tem motivado uma reflexão recorrente sobre a relatividade do sentido utilitário que atribuímos às coisas; afinal, a utilidade desta obra vai muito além de sua estrita função: fundindo-se com o local, organiza a paisagem, proporcionando uma silenciosa lição de arquitetura., This work was financed by the Project Lab2PT - Landscapes, Heritage and Territory laboratory - UIDB/04509/2020 through FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia.